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A música conecta

Talks | O que muda na cena após a crise do COVID-19?

Por Laura Marcon em Alataj Talks 07.05.2020

A gente bem que pode tentar tratar de algum outro tema neste período mas, infelizmente, o assunto do momento é o COVID-19 e suas implicações no mercado do entretenimento e, para nós, se concentra especificamente no ramo da música eletrônica. Estamos vivendo algo completamente sem precedentes que tem afetado bastante o mercado em suas mais diversas esferas.

Enquanto uns estão aproveitando este período para descansar, outros buscam produzir o máximo que podem em casa. Também tem aqueles que colocam a cabeça para funcionar a fim de encontrar alternativas criativas e eficazes de manter a sustentabilidade de projetos e marcas. Mas, independente de qual opção cada um esteja tomando dentro desse panorama de incertezas, já temos uma visão unânime de que definitivamente as coisas não voltarão a ser como eram.

Pensando nisso convidamos quatro profissionais do mercado de frentes distintas –  DJ Aninha; Priscila Prestes, sócia-proprietária da agência de DJs Alliance Artists; Maurício Soares, sócio-proprietário da produtora de eventos M-S; e o manager Maurício Angelo, da agência UAM – para responder sobre as possíveis transformações dentro desse universo com a seguinte pergunta: O que muda na cena após a crise do COVID-19? 

Aninha

Essa sem dúvida é a pergunta do ano. Falando pelas duas partes, tanto de empresária como artista, praticamente iremos começar do zero, mais ponderados em relação a investimentos e no vermelho, provavelmente. Imagine que muitos clubes/eventos que gerenciam de uma forma saudável seu capital, separando pelo menos 40% dos lucros anteriores, tiveram que usar esse dinheiro pra pagar os gastos fixos mensais sem nenhuma previsão de retorno da economia. Agora pense quem só tinha isto como fonte de renda – como no caso de alguns artistas e promoters – e que não tinham reservas? Loucura né? Mas é a realidade mundial.

No entanto, voltaremos com muita vontade de trabalhar, ajudando uns aos, muito mais criativos – que o brasileiro sabe fazer isso com os pés nas costas – e mais fortes.

Mauricio Soares

O momento é de tensão, ruptura, questionamento. Ninguém estava preparado para o que aconteceu e isso certamente deixará marcas profundas nas pessoas e no mercado. Não há dúvidas de que alguns profissionais e empresas do setor não vão ter fôlego para chegar ao outro lado desta crise, o que nos deixa apreensivos, com o coração apertado. Neste momento, ainda não há como dizer exatamente o que vai mudar na cena após a crise, a não ser o fato de que pelo menos temporariamente ela será mais local – globalmente. Ao mesmo tempo, temos a oportunidade única de “olhar para dentro” e refletir, repensar e recriar aquilo que fazemos com uma profundidade sem precedentes. Propósito, aquela palavra que ficou tão gasta e diluída ultimamente, retoma seu significado mais verdadeiro e será aquilo que vai determinar os caminhos para o futuro.

Sim, os caminhos, no plural. O trauma que estamos sofrendo deve evidenciar as relações de interdependência às quais todos estamos sujeitos. Nos obrigará a sermos criativos para sobreviver e prosperar como indivíduos e como sociedade. Nos fará questionar nossos padrões de consumo, nossos valores, nosso comportamento. Assim como no período pós-II Guerra Mundial, assistiremos à ascensão de um novo movimento de contracultura e experimentação, que dará origem a uma transformação ainda mais ampla da civilização humana. Não existe “voltar ao normal” porque o normal que conhecíamos já não vai existir. Como diz o slogan da MedMen, welcome to the new normal. 

Essa transformação não será homogênea, mas pela primeira vez ela ocorrerá em um mundo altamente conectado e em tempo real. Nossas chances serão muito maiores se estivermos dispostos a aceitar o novo e reconhecer de fato a riqueza da diversidade – não apenas do ponto de vista da tolerância e da inserção, mas da verdadeira coexistência, da troca, da integração. As soluções que buscamos podem muito bem passar pela apreciação dos problemas à nossa frente por outras perspectivas, outras histórias de vida, outras lentes – ou mesmo um conjunto delas. Cabe a cada um de nós encontrar o seu propósito verdadeiro, se despir de noções pré-concebidas e começar a construir seu novo caminho.

Música é uma linguagem que se originou como uma forma de conexão com o universo do divino, do sagrado. A música esteve conosco nos momentos mais felizes e mais terríveis da nossa história, em rituais das mais diversas naturezas, trazendo ora alento, ora êxtase. A música nunca deixará de existir, assim como a nossa vontade de estar em uma pista de dança repleta de gente vivendo a música ao máximo. Essa vontade hoje só aumenta.

Já imaginou as festas quando a gente puder estar junto de novo? Tem gente imaginando – e pra isso eu digo amém!

Priscila Prestes

Uma vez que o nosso mercado foi um dos primeiros a parar, e certamente dos últimos a voltar à ativa, todos os profissionais ligados a indústria do entretenimento têm convivido com a ansiedade e angústia de não saber o que será do nosso amanhã – não há uma resposta objetiva. No melhor dos cenários teremos uma vacina que possibilitará a todos que voltem às suas vidas normais. Já no pior, um período longo de isolamentos intermitentes que certamente minariam a saúde financeira mesmo dos maiores players.

O que já podemos considerar como fato é que viveremos uma recessão talvez sem precedentes. Com menos dinheiro circulando, e o risco de fazer tratativas em moeda estrangeira com câmbio instável, acredito que nos voltaremos mais uma vez à valorização e exploração do talento nacional – a exemplo do que aconteceu em meados de 2014.

Acredito que artistas deverão ampliar seu leque de ações – contar exclusivamente com a receita vinda de apresentações ao vivo poderá ser fatal – procurando criar conteúdo que desperte o interesse de marcas dispostas a apoiar/patrocinar seus projetos.

Também acredito que o público estará cada vez mais consciente que seus hábitos de consumo têm o poder de endossar e/ou reprovar os posicionamentos das marcas. E elas, mais do que nunca, buscarão personagens que reflitam e se alinhem às suas filosofias e vice-versa.

Por outro lado, também é sabido que momentos de crise costumam funcionar como catalisadores da criatividade. Tenho pensado que nesse momento tão ímpar, todos nós deveríamos e/ou poderíamos produzir algo que não fosse orientado pelas expectativas do mercado. Quem é você e o que faz quando não tem ninguém olhando? O que há de profundo em você que pede expressão? Eu tenho feito essas perguntas para mim mesma.

Espero que, quando tudo isso passar, que possamos absorver algo de bom para levar para nossas vidas. A empatia e solidariedade que afloraram neste período, o poder de mobilização independente da estrutura do estado, a consciência de que podemos (e devemos!) viver com menos, e distribuir de forma mais justa nossos recursos.

Maurício Angelo

Mudanças consistentes acontecerão e na minha visão duas questões terão impactos mais diretos com artistas. Uma é no que diz respeito a parte de gestão financeira dos que atualmente não tinham a necessidade de uma preocupação e planejamento mais efetivos. Isso porque o cenário sempre demonstrava ser positivo e, após os acontecimentos com o Covid-19, tiveram a certeza da importância do poupar.

Outra será no sentido de contato mais direto com o fã. Acredito que grupos mais fechados entre fãs e artistas, inclusive monetizados, surgirão cada vez mais e continuarão presentes após a crise.

Na questão de mercado acredito muito em um redução considerável de custos de toda cadeia, desde de fornecedores, A&B, valores de ingressos até os cachês. Isso terá relação direta com a consistência e tempo de liberação de eventos/quantidade de pessoas resultando em grandes adequações.

O fator positivo na minha visão é a nova relação de consumo criada, que já está direcionando o mercado a novas ideias, novas receitas, novas percepções e novas interações que com toda certeza antecipou ao mundo muitas coisas que aconteceriam de uma forma mais orgânica e devagar. Todos estamos sendo obrigados a aprender e desenvolver novas habilidades que criarão mais planejamentos sólidos para realizações futuras.

A música conecta.

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