A História da Cultura Clubber no Brasil

Clubber ou clubbing é o nome dado às pessoas que frequentam danceterias (os clubs, em inglês), que foram muito comuns nos anos 1990. Os clubbers foram parte responsável por elevar gêneros musicais como house e techno ao mainstream, além de movimentar a vida noturna pelas grandes metrópoles e influenciar até na moda.

Conversamos com Cláudia Assef, uma das maiores entendedoras sobre a cultura Clubber no Brasil, sobre clubes, carreira, projetos, e ela até indicou músicas da cultura Clubber no Brasil que todo mundo precisa colocar na playlist!

Claudia Assef é jornalista, escritora, curadora e DJ. Autora do único livro escrito no Brasil sobre a história do DJ e da cena eletrônica nacional, tomou contato com a música de pista ainda criança, por influência dos pais, um casal festeiro que não perdia noitadas nas discotecas que fervilhavam na São Paulo dos anos 70. Seu livro, “Todo DJ Já Sambou – A História do Disc-Jóquei no Brasil” foi lançado em 2003 com eventos em várias cidades do país. O livro vendeu mais de 25 mil cópias em todo o país.


Confira a entrevista:

Ingresse: Começando com um pouco de história - quando a cultura clubber começou a aparecer no Brasil? Quais foram as principais influências, os primeiros nomes e locais icônicos que perpetuaram o seu  desenvolvimento? Eles ainda estão em atividade?

Cláudia Assef: Dá para dizer que a cultura clubber começou no Brasil no final dos anos 80, em lugares como o Nation, por exemplo, um clube muito, muito importante, que tinha os DJs residentes Mauro Borges e Renato Lopes.

O Mauro infelizmente já faleceu, o Renato mora na Dinamarca. Mas não eram só eles, tinha outros clubes menores, o Samantha Santa, por exemplo, que foi o clube que antecedeu, no mesmo espaço do Club Aloka. E ali rolava uma coisa mais house. O Senhora Krawitz também, mas aí, já nos anos 90. Acho que um ponto bem importante assim do nascimento da cultura clubber foi realmente a Nation, eu diria.

Flyer do Nation

Lopes com Marquinhos MS ao fundo na cabine do Nation

Para saber mais: o Nation

Foi no subsolo de uma galeria de lojas em uma das ruas mais movimentadas de São Paulo - a Rua Augusta - que surgiram os primeiros traços da cultura clubber no Brasil. No Nation, Mauro Borges e Renato Lopes gravaram seus nomes na história da música underground do país, através de novidades inimagináveis para a nação dançante até então.

A notícia se espalhou rápido e em pouco tempo o Nation virou um hit. Foi a partir dele que nasceram os primeiros traços de culto ao clube, com impressão de flyers com a programação da casa, além de desenhos e piadas. Também foi no Nation que a palavra clube começou a ser usada, substituindo o termo danceteria.

Além disso, o clube foi palco inaugural para as primeiras drag queens e frequentadores com roupas extravagantes e adereços inusitados. Pouco tempo depois, esse estilo receberia o nome “clubber”. No Nation também surgiram termos que se espalharam pelo underground eletrônico e pela comunidade LGBT+, como: hype, flor e mundinho.

Fonte: Lendário celeiro da cultura clubber dos anos 80/90, Nation reabre no mesmo endereço na rua Augusta | Music Non Stop por Cláudia Assef

"Eu comecei assim, como fã apreciadora, depois colecionadora de discos. Depois entendi que o que fazia sentido na minha vida era ser jornalista musical.”

Ingresse: E como você começou a sua trajetória nesse universo? Além de DJ, você é jornalista. Você começou tocando e veio a vontade de conhecer mais e escrever, ou o contrário? Quais são os seus principais projetos agora?

Cláudia Assef: Eu comecei a minha trajetória nesse universo, frequentando muito, muito adolescente assim. Minha irmã é cinco anos mais velha e ela curtia muito. Então eu fui com ela muito no Nation quando eu tinha 14 anos e frequentando, eu fui gostando, fui comprando discos, comecei a minha coleção de discos até antes disso.

O primeiro clube que eu fui foi o Rose Bombom, que é um pouco anterior ao Nation, que não era tão clubber assim, era uma mistura de rock, de rock brasileiro, rock, inglês e música eletrônica. Era um pouquinho talvez um proto clubber, um movimento anterior ao movimento clubber, mas um movimento de contracultura muito forte. Era uma danceteria, né? Não era um club, tinha show e tudo mais. Então eu comecei assim, como fã apreciadora, depois colecionadora de discos. Depois entendi que o que fazia sentido na minha vida era ser jornalista, jornalista musical. E fui cada vez mais gostando, curtindo, consumindo, frequentando. Até que virei DJ 23 anos atrás. 

Quais são os meus principais projetos agora? Agora eu tenho um site que se chama Music Non Stop, que se dedica à cobertura de música urbana. Bastante música eletrônica lá. Tem o Women's Music Event, faço várias consultorias, escrevo para vários lugares, tenho livros publicados. Agora em 2023, a gente deve fazer uma celebração de 20 anos do lançamento do "Todo DJ Sambou". E é isso. Continuo tocando também por aí.

Conheça os projetos:

Portal: Music Non Stop

Músic Non Stop é um portal de música, cinema, estilo e comportamento urbano desde 2016, parceiro do UOL. A plataforma conta com reportagens, entrevistas, cobertura e informações sobre festivais internacionais e brasileiros, e curiosidades sobre a música eletrônica, além de programação noturna das principais cidades brasileiras. Acesse aqui!

Livro: Todo DJ já Sambou

O livro conta a história da profissão desde quando ela surgiu no país até os dias atuais. A obra trata da noite, cultura clubber e música para dançar, seja ela samba-rock, disco music ou tecno. O livro traz personagens como Osvaldo Pereira, o primeiro DJ do Brasil, que “inventou” uma profissão que estava surgindo quase que ao mesmo tempo em outros cantos do planeta.

Projeto: Women’s Music Event

Criado por Claudia Assef, junto com Monique Dardenne, o Women’s Music Event é uma plataforma de música, negócios e tecnologia criada para aumentar o protagonismo da mulher na indústria da música.

Uma das principais ações do projeto é o evento anual, considerado o maior encontro das mulheres da indústria da música no Brasil. Com respaldo de nível nacional, o principal objetivo é integrar mulheres de diversas áreas do ecossistema produtivo do meio artístico.

Conheça o projeto aqui!

“Hoje ser mulher nesse cenário, acho que é muito bom, porque a gente está vivendo essa virada de chave.“

Ingresse: A cena eletrônica ainda é muito dominada por homens (brancos), seja nos streamings ou no line up de grandes festivais. Como é ser mulher nesse cenário? Quais são os principais desafios?

Cláudia Assef: Então a cena eletrônica ainda é dominada por homens brancos, mas as mulheres invadiram legal nos últimos cinco anos pra cá. Tem muito mais mulher produzindo, tem muito mais mulher fazendo evento, muito mais mulher tocando como DJ e muito mais mulher bookando, fazendo os bookings. Então está aí um cenário que está realmente transmutando muito rapidamente.

Se você comparar com 20 anos atrás, nesses últimos cinco anos, eu diria que um ponto super importante, por exemplo, é o sucesso de festas criadas por mulheres. E eu comento aqui uma muito importante, que é a Mamba Negra, criada por duas mulheres amigas DJ Cashu e Laura Diaz, que é uma artista e cantora, performer, compositora, enfim, que é vocalista da banda Teto Preto.

Então diria que isso está mudando bastante, mas ainda é um grande desafio. E hoje ser mulher nesse cenário, eu acho que é muito bom, porque a gente está vivendo essa virada de chave. 

DJ Cashu (@cashuuuu_)

Laura Diaz (@_carneosso)

Ingresse: Você é co-fundadora do Women 's Music Event (WME), uma plataforma e a principal premiação de música para artistas femininas. Como surgiu a ideia de fundar o projeto? E quais são seus principais objetivos e ações?

Cláudia Assef: Como surgiu a ideia? Bom, surgiu justamente da gente. Eu e a Monique. A gente já se conhecia há muito tempo, cada uma trabalhando no seu métier, dentro do mercado da música. Ela como booker, dona de agência, eu como jornalista, DJ e produtora cultural, curadora. E a gente, um belo dia, se encontrou numa conferência e fomos tomar uma cerveja depois e falamos.

Era um painel onde tinha muitas mulheres, um painel num projeto da Red Bull que se chamava Pulso. Isso lá em 2015, se não me engano. Ou 16 é. E a gente olhou e falou nossa, um monte de mulher foda, gente, por que a gente não tem um lugar pra chamar de nosso? Uma conferência, pelo menos, um site, alguma coisa que divulgue o que a gente está fazendo.

Vai ser um trabalho de formiguinha, mas vamos fazer. E a Monique é muito obstinada, né? Uma pessoa super organizada e motivada e foi a parceira ideal. Assim, a gente se juntou lá em 2016. A gente ficou um ano incubando o projeto do WME. Em 2017,  em março, a gente estava lá fazendo a primeira conferência totalmente sem dinheiro, com pequenos apoios de algumas marcas.

E hoje a gente está aí, sete anos depois, fazendo um giro aí de 4500 pessoas ao longo de quatro dias da conferência que acabou de acontecer, também com uma premiação, o selo Igual, que é um selo que chancela as iniciativas do mercado, que tenham pelo menos 50% de mulheres entre seus funcionários ou entre os artistas dos seus eventos. A gente tem um aplicativo de profissionais que é o WME Profissionais. E a gente tem uma consultoria que chama "Manas a Mais", que visa levar equidade e diversidade para eventos, festivais e afins.

O Women’s Music Event de 2023 contou com painéis, masterclasses, oficinais e shows e teve participações de Karol Conká, Marimoon, Tulipa Ruiz, MC Soffia, Melly, entre outras mulheres de destaque no setor.

Ingresse: Depois de tantos anos vivendo e escrevendo sobre a noite, os clubes e música eletrônica, quais principais mudanças você enxerga do início em relação aos dias de hoje? E qual você acha que é o futuro da música eletrônica no Brasil?

Cláudia Assef: Eu acho que hoje a música eletrônica é tratada como um business, né? Antes era uma paixão, sobretudo, hoje ela é feita com muito profissionalismo aqui no Brasil, né? Você tem eventos que têm uma excelência, que não deixam, não perdem para nenhum país. É coisa de realmente gente grande. Então, a principal mudança que eu vejo é essa profissionalização do mercado. Hoje rave não é bagunça, não é um monte de doidão carregando caixa numa Kombi. Hoje é um negócio mesmo, muito bem estruturado e com entregas fabulosas. 

“Hoje a música eletrônica é tratada como um business. Antes era uma paixão hoje ela é feita com muito profissionalismo aqui no Brasil.”

Ingresse: Pra colocar agora na playlist: quais músicas/artistas marcaram a história da cultura clubber no Brasil e todo mundo precisa conhecer?

Cláudia Assef:

1) Que Fim Levou Robin - Que Fim Levou Robin

2) Crazy for You - Sect

3) Pontapé - Renato Cohen

4) LK - Marky & XRS

5) Gui Boratto - Beautiful Life

6) ANNA - Forever Ravers

7) Back in The Days - Joyce Muniz

8) A Braba do Jaca - Badsista

9) Gasolina - Teto Preto

10) DJ Patife - Sambassim